Por Igor Soares
Sempre me senti acolhido no Parque Estadual Serra do Brigadeiro, em todas as vezes em que fui. Seja pelas pessoas que encontrei, seja pela natureza. É bonito a forma como um lugar assim, pela sua exuberância, te faz se sentir pequeno, e como isso é bom. Nossos problemas diminuem junto com a gente e o momento se torna para observar, seja o que há em nossa volta, seja o que há dentro de nós.
Tenho uma imagem muito forte na mente de quando estava a caminho do acampamento do ‘Seu Dico’, em Araponga, e avistamos uma linda queda d’água que caía por entre um grande rochedo, como um véu que cortava a pedra ao meio. No carro, coincidentemente, tocava a música “Da janela lateral”, de Lô Borges e Fernando Brant. “Você não quer acreditar, mas isso é tão normal”… Naquele momento eu mais do que entendi o significado da música, eu senti.
Conheço um rapaz que também é apaixonado por esse lugar. Nascido em Miradouro, com ele eu aprendi um bocado sobre a beleza das coisas simples do nosso dia a dia, como a solitude de uma casinha no meio do mato, daquelas com a parede branca e a janela grande e azul. Coisa que vejo muito indo para o parque.
Roberto Carlos “Shakal” é fotógrafo, e pela lente dele eu já vi o parque em diversos aspectos, seja o da natureza, ali estampado, seja o cultural, sutil, humano. Convidei ele para responder algumas perguntas.
Casas e Matas: Como foi o seu primeiro contato com a fotografia?
Shakal: Quando criança, ao visitar minhas irmãs que moravam na Fazenda da Barra, eu ficava folheando os álbuns de fotografias que encontrava por lá. As vezes elas tiravam fotos em dias comuns de mim e dos meus sobrinhos. Tem algumas fotos com fundo de lençol preso na parede e algumas de festas de aniversários e churrascos que rolavam por lá. Essas são as lembras do meu primeiro contato.
Casas e Matas: E com o parque?
S: Meu primeiro contato com o parque foi quando, em 2008, fiz uma viagem de três dias de Viçosa até Miradouro de bicicleta na companhia de cinco amigos, passamos em alguns municípios no entorno do parque até chegarmos ao Pico do Boné.
Casas e Matas: Como fotógrafo, o que te atraiu no parque?
S: A riqueza da biodiversidade, as cachoeiras, os desenhos nas pedras, as montanhas, a flora, e as histórias.
Casas e Matas: Qual a importância para você do fomento ao turismo na região?
S: O turismo possibilita nós vermos com os olhos do outro, ao perceber o valor que é dado pelo outro a nossa cultura local, a nossa gastronomia e aos nossos costumes, começamos a nos orgulhar de nossas histórias, o turista não quer ver ou fazer o que ele encontra no seu dia a dia comum, ele quer o que é peculiar da nossa região, ele está atrás de novas experiências. Tomarmos esta consciência nos leva a buscarmos as nossas raízes e restaurarmos nossas histórias, nossos costumes e nossas tradições, as vezes esquecidas com o tempo, enriquecendo as nossas peculiaridades.
Casas e Matas: Quais pontos do parque mais te marcaram? Você pode nos contar alguma história, um “causo” acontecido por lá?
S: Sem dúvidas foi a Fazenda Brigadeiro, na viagem de Viçosa para Miradouro ficamos perdidos e acabamos chegando lá sem querer, o que levou a nossa viagem terminar em três dias, no que era pra ser só dois dias.
Casas e Matas: Você já acampou e fez trilhas no parque. Quais equipamentos você indica para quem está para ter essa experiência pela primeira vez?
S: Há muitas trilhas e possibilidades no parque. Meu conselho é que se informem através da portaria do parque para primeiramente conhecer as possibilidades e depois pedir informações aos guias para que eles possam passar as informações precisas de acordo com o seu roteiro programado. Sempre prezo por calçados confortáveis, barraca e saco de dormir, repelente e minha câmera que é minha eterna companheira.
Casas e Matas: O que você busca ao ir para o parque? Lugar para um contato com a natureza mais íntimo? Acha que encontramos algo de nossa essência por lá?
S: Novas experiências e boas histórias pra ouvir é o que sempre estou em busca, as fotografias sempre são os vestígios que trago dessas histórias e dessas experiências. Tudo é uma questão de tempo e permissão pra que nos encontremos conectados com o ambiente.
Casas e Matas: Essa essência pode ser expressa na fotografia?
S: Sim. Antes de captar uma fotografia me sinto na necessidade de estar realmente conectado com o sujeito a ser fotografado para que aconteça uma troca justa dentro do que eu acredito ser. Vejo essa conexão como uma entrega, uma “autorização”, se você entrar em conexão com a fotografia acredito que consiga vê-la e até senti-la, entretanto vejo isso mais como uma consequência do processo do que como minha própria pretensão, pois vejo a fotografia como meio de uma história e não como começo ou fim.
Casas e Matas: O que é o Projeto 360°?
S: A cada passeio, caminhada ou rolê de bike venho produzindo imagens que apresentam um pouco de cada região visitada, a força, a nuance e as belezas de cada lugar. Fotografando paisagens, a fauna e a flora nativas da região, cenas da vida cotidiana e seus personagens, surgiu a ideia do Projeto 360º. Completei a minha experiência como fotógrafo freelancer, concluí o Curso de Produção Audiovisual da Escola Municipal de Audiovisual Carlos Scalla, da Fundação de Cultura e Artes de Muriaé. Passei a conhecer e frequentar centros culturais de Muriaé, dialogando com artistas e suas produções. Ao mesmo tempo, em minha cidade natal, passei a divulgar o meu trabalho, inserindo-o na cena cultural. Produzi pequenas mostras individuais e participei de mostras coletivas de fotografia. O Projeto 360° é o resultado desse trabalho, uma concisão dessas experiências vividas, com enfoque na cultura e vida do interior de nossa região.
Em certo sentido, acredito que todos nós somos fotógrafos. Fotografamos com a visão, com o paladar, com o tato, o olfato, audição… Gostaria de, para encerrar, deixar uma imagem aqui que muitas vezes parei a caminho do parque para fotografar com meus olhos. Quem a registrou foi o Shakal e é como se meus olhos fossem a própria câmera. Os raios de luz entraram nos meus olhos, atravessaram as estruturas oculares e chegaram até a retina. A imagem foi transformada em impulsos nervosos e enviada através do nervo óptico ao cérebro, e está aí!
Um amigo já me disse que via o rosto de John Lennon nessa pedra.
Let it be.
Todas as fotografias da coluna de hoje são de autoria de Shakal Carlos e você pode encontrá-lo no Instagram em @shakalcarlos